Em comemoração aos meus quarenta anos de Sergipe, ainda meio surpreso ao perceber que já tinha vivido todo esse tempo por aqui, e, em homenagem à cidade que escolhi para fixar residência, decidi, ao escrever este pequeno depoimento, levantar uma questão que se mostra relevante quando dedicamos um olhar mais particular sobre a Barra dos Coqueiros. Aliás, devo admitir ter escolhido esta cidade para morar devido a enorme semelhança encontrada quando a comparo com minha Terra Natal, Igarapé-Miri, lá no Estado do Pará: ambas são cidades pequenas, às margens do rio, de população acolhedora que ainda mantém o hábito de sentar-se à porta, no final da tarde, para tomar uma fresca e deixar rolar uma boa conversa.
Quando mudei para a Barra dos Coqueiros, no ano de 1989, passei a ser morador do Prisco Viana, à época, o maior conjunto residencial da cidade e que, aos poucos, deixava de ser uma área de habitação essencialmente popular, função social para a qual havia sido construído, no sentido de fornecer moradia mais acessível para pessoas de baixa renda, e começou a atrair famílias com melhor poder aquisitivo, que podiam pagar as mensalidades cobradas, referentes ao financiamento dessas casas. Para cá, então, mudaram-se professores, funcionários públicos, pequenos comerciantes, artistas em começo de carreira e empregados do comércio aracajuano.
Toda a movimentação da cidade, nessa década dos anos 90, estava concentrada nas ruas da frente, especificamente a Avenida Moisés Gomes Pereira, banhada pelo rio Sergipe, que servia de acesso para o transporte de passageiros e cargas que saÍam e chegavam à Barra dos Coqueiros por meio das lanchas e tototós, enquanto os carros particulares, de alguns moradores e turistas em sua maioria, valiam-se das balsas para fazer a travessia, principalmente nos finais de semana.
A cidade praticamente se encerrava, no aspecto mais urbano do termo, naquele trevo de acesso ao porto de Sergipe e à praia de Atalaia Nova, uma das mais badaladas do Estado, naquela época. O comércio, ainda muito precário, forçava a população a fazer suas compras maiores em Aracaju, gerando um certo transtorno para as pessoas que precisavam carregar suas sacolas, pagar pelo ‘carrego’ até suas casas, ou apanhar um táxi no terminal hidroviário, uma vez que, a ideia de construir uma ponte sobre o rio Sergipe, ligando a capital à Barra dos Coqueiros, era apenas um sonho rascunhado em uma folha de papel.
Porém, a cada ano que passava, a cada novo governo empossado, renovava-se a esperança de sermos ligados a Aracaju, por meio de uma ponte, até que uma nova promessa se cumpriu e, finalmente, iniciou-se a tão esperada construção da ponte Aracaju-Barra, hoje denominada ponte Construtor João Alves.
Pronto, não havia outro assunto sobre o qual se falasse que não fosse a construção da ponte. O slogan, “a ponte tá vindo aí”, não apenas se tornou fala única em toda a cidade, como passou a ser a justificativa mais usada para, por exemplo, um aumento nas mercadorias e medicamentos adquiridos no dia a dia do comércio local, além de contribuir, principalmente, para o surgimento de uma consistente especulação imobiliária que pregava aos quatro cantos do estado que todo mundo passaria a morar na Barra dos Coqueiros, depois que a ponte estivesse sendo utilizada.
Casas e terrenos passaram a ser hipervalorizados do lado de cá. Inúmeras imobiliárias e construtoras apressaram-se em adquirir os imóveis melhor localizados e iniciaram a venda e respectiva construção de apartamentos em prédios construídos ao longo da rodovia de acesso à ponte, além de ocasionar o surgimento de condomínios fechados, de alto padrão, construídos em áreas privilegiadas que, inclusive, ofereciam aos compradores o acesso exclusivo e direto à praia.
Testemunhamos, então, para desespero dos ambientalistas, a derrubada indiscriminada de uma quantidade enorme de coqueiros, que deram nome a este lugar, e em cujo espaço foram construídas muitas mansões que formam alguns dos condomínios de luxo ostentados por nossa cidade: Alphaville, Damha, Maikai, Thai, para citar apenas alguns mais importantes.
Essa construção desenfreada, e, por vezes, desordenada, trouxe alguns benefícios como a melhoria do setor comercial e de serviço, transporte coletivo, escolas de melhor qualidade, serviço hospitalar melhor equipado e uma nova população mais bem-educada, do ponto de vista acadêmico. Em contrapartida, tivemos que arcar com alguns problemas advindos, especificamente, desse chamado “boom imobiliário”: os novos prédios e condomínios trouxeram uma nova população para dentro da Barra dos Coqueiros que se mostra, hoje, igual ou até maior do que aquela que aqui já residia, antes mesmo da construção da ponte Aracaju-Barra.
Com isso, os serviços essenciais, como o fornecimento de água e energia, passaram a ser insuficientes nos primeiros meses de implantação desses novos empreendimentos, com prejuízo maior para a população nativa, residente nas áreas mais antigas da cidade, que se mostravam as mais precárias.
A infraestrutura exigida pelos novos moradores, a exemplo de rua asfaltada, esgoto e saneamento básico, não conseguiu contemplar e alcançar os moradores mais antigos, sem contar que, esta mesma população passou a encarar uma triste realidade: saber que a ponte não foi construída para atender aos seus anseios e sim para bem servir às construtoras proprietárias dos novos condomínios, cujas exigências eram bem diferentes e mais requintadas do que as necessidades básicas que a antiga população sempre reclamara.
Um exemplo claro dessa dura realidade pode ser comprovado pela dificuldade de acesso à ponte, para quem está na cidade, e de acesso à cidade, para quem está na ponte, a menos que, em ambas as situações, se tenha que chegar até o trevo que leva a duas direções: do Porto de Sergipe e da Atalaia Nova.
Não bastasse isso tudo, ainda temos que enfrentar o mais grave de todos esses problemas: uma espécie de apartheid social provocado pela chegada dessa nova população, que acabou por dividir a cidade em dois blocos, bem distintos, a partir da construção desses novos empreendimentos imobiliários nessas áreas mais valorizadas.
O primeiro bloco é formado pela população mais antiga que está “espremida” em uma
área compreendida entre a avenida da ponte, SE 100, a avenida de acesso à Atalaia Nova, avenida José de Campos, e a margem do rio Sergipe, por não ter mais espaço para se expandir, e no qual estão incluídos os dois conjuntos residenciais que já foram os mais importantes e populosos da cidade, antes da chegada da ponte: Hildete Falcão Batista e Prisco Viana.
O segundo bloco, formado pela nova população da Barra dos Coqueiros, está localizado no outro lado das citadas avenidas, nos terrenos especialmente reservados para essas construções, em locais que passaram a ser considerados a área nobre da cidade, e que têm como limite de seus quintais, nada mais nada menos do que a Praia da Costa.
Há que se acrescentar ainda, a toda essa problemática, outro agravante: a maioria dessa nova população frequenta muito pouco o chão da Barra dos Coqueiros, uma vez que trabalha, estuda, faz suas compras e desfruta das horas de lazer em Aracaju, passando a usar nossa cidade apenas como dormitório, situação que a Barra dos Coqueiros já experimentou em outros tempos, quando da inauguração do conjunto Prisco Viana, por exemplo.
Esse processo, de sublocação das coisas da Barra dos Coqueiros pelos novos moradores, tem se mostrado cada vez mais irreversível, haja vista a enorme possibilidade, quase certeza, de que esses condomínios, muito breve, terão seu próprio comércio, suas próprias escolas e seus próprios templos religiosos, para oferecer mais conforto e privacidade a esses moradores, isolando-se, ainda mais, das coisas e das pessoas que formam a porção mais antiga da nossa cidade.
Nazareno Gonçalves
Professor
Membro da ABLA
Colunista Revista Barra
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